
A Associação de Filosofia do Desporto de Língua Portuguesa (AFDLP) manifesta o seu mais profundo pesar pela partida do Professor Manuel Sérgio, mestre e visionário, cuja obra transformou de forma indelével o pensamento sobre o desporto em Portugal e no mundo de língua portuguesa.
No livro Filosofia do Desporto, que tivemos a honra de publicar recentemente, Manuel Sérgio deixou-nos um dos seus últimos textos, Motricidade Humana: o itinerário de um conceito. Nele, recorda-nos que o desporto é, antes de tudo, uma manifestação essencialmente humana, para lá das reduções mecanicistas do corpo a mero instrumento. Desde os seus primeiros escritos, desafiou-nos a ver na motricidade uma dimensão existencial, onde o movimento não é apenas deslocação no espaço, mas expressão de sentido, lugar de transcendência, encontro com o outro e consigo mesmo.

Este livro, que acolhe a sua reflexão, contém também uma outra imagem simbólica que ressoa com o seu pensamento: a noção de cor-pó, presente na própria palavra “corpo” – onde se entrelaçam o cor (o coração, a paixão, o que pulsa e nos move) e o pó (a matéria finita, a fragilidade da existência). Manuel Sérgio foi aquele que sempre nos lembrou que pensar o desporto é pensar a própria condição humana, na sua tensão entre força e vulnerabilidade, entre jogo e gravidade, entre efemeridade e permanência.
Mas talvez a sua maior lição tenha sido esta: em toda a pessoa há uma ausência que revela uma presença, uma sede que aponta para o transcendente, para o divino. Hoje, a sua ausência afirma-se precisamente nessa presença que nos habita, que nos move, que nos inspira. Não o encontramos mais no tempo, mas encontramo-lo em cada um dos nossos corações, na inquietação que semeou, no pensamento que abriu, na esperança que deixou em nós.
Pouco antes da sua partida, dirigiu-nos palavras que jamais esqueceremos: “Obrigado por estarem a construir com a AFDLP o que sempre sonhei fazer e não consegui.” Mas conseguiu, sim. Conseguiu ao semear um modo novo de pensar, ao desafiar gerações a olhar o desporto para lá da sua funcionalidade, ao inspirar-nos a reconhecer no movimento um lugar de liberdade e criação.
Cabe-nos agora honrar essa sementeira. O pensamento de Manuel Sérgio não se encerra na sua obra escrita, mas permanece naqueles que seguem esse rasto de inquietação, nas novas perguntas que surgirão a partir das suas, na entrega silenciosa de quem, como ele, acredita que o desporto pode ser uma via para uma sociedade mais justa e mais bela.
A nossa entrega à Filosofia do Desporto não nos pertence: é dádiva ao futuro, ao mundo, ao outro. Tivemos a honra de receber essa dádiva de Manuel Sérgio. E temos o dever de partilhá-la com aqueles que virão.
Obrigado, Mestre. O seu coração pulsa em cada um de nós.
Luísa Ávila da Costa,
Presidente da Associação de Filosofia do Desporto de Língua Portuguesa (AFDLP)